sábado, 11 de fevereiro de 2012

sobre as coisas que não se podem falar

Estamos a estudar já algum tempo o livro de Giorgio Agamben “O que resta de Auschwitz” , no qual ele esmiúça a questão do testemunho. O que é o testemunho, sobre o que esse testemunho pode falar, o que para ele é indisível, quais os lugares possíveis da fala de quem se propõe a testemunhar, que caminhos pode o testemunho percorrer. Auschwitz, parece ser o exemplo que demonstra um paradigma em que essa voz do testemunho não pode afinal testemunhar, mas apenas “testemunhar sobre um testemunho que falta", insistir na missão de lembrar que de fato não podem falar os verdadeiros testemunhos. Da vivencia da experiência nos campos, só quem poderia falar, seriam os mortos.  


Desde esse pensamento e associando-o a  um exercício de criação que a muito fazemos em nossas praticas e ensaios, o “exercício da descrição”, algumas conexões tornaram-se possíveis. Nos aproximamos de um corpo político, que fala sobre algo que experiência, porém nunca é capaz de abranger a totalidade dessa experiência, mesmo servindo-se de muitos caminhos, de diversas linguagens (fala, movimento, gesto, etc.) para alcançar seu objetivo, ou pelo menos insistir em alcança-lo.
O corpo que aparece com a história do testemunho e o “exercício da descrição”, é esse  que se diz a si próprio e imprime uma história e uma visão de ser do momento, que deixa um rastro de memória, que deixa no espaço e nos outros e em si mesmo essa possibilidade de brincar com um testemunho que não fala só do passado, mas que pode ser atemporal, na medida em que assume a transitoriedade do que conta e percebe que o momento de contar é o que importa, não o que se conta. Reconhecer esse compartilhar como uma ação que carrega em si mesma muitas incógnitas, que depende de seus interlocutores e chama-os a um esforço para tornar-se relação, para poder trabalhar o paradigma de se dizer o não dizível, como algo que pode transitar camadas que se dizem a si mesmas e são acompanhadas por escutas que não são só as que trabalham no ouvido interno. Um corpo político porque se aproxima das formas mais categorizadas de entendimento de si, reconhece-as e pode abrir-se a outras maneiras de entender-se no próprio movimento de desentender-se. Um corpo que utiliza e se faz comunicação no ato da fala (e da não-fala, essa “zona imprevista” onde emerge o testemunho), do movimento, no contar uma história, em uma imagem. Que coloca em si próprio a discussão das relações e não em um tema fora dele.

A proposta de trabalho que apresentamos então segue essa direção. Nesse momento nos interessa imensamente poder debruçar sobre esse material, questionando o sujeito que fala e que mediante o paradigma do testemunho busca outros sentidos no dizer em ato. Esta pesquisa teve seu começo em setembro de 2011 numa residência no Espaço AZALA na Sierra Alabesa (ESP), agora damos continuidade a organização de estes materiais en viés da criação de uma performance.


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